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Nove em cada dez estudantes LGBTI+ sofreram agressão verbal na escola

Nove em cada dez estudantes adolescentes e jovens LGBTI+ [lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, intersexuais e outras orientações sexuais e identidades de gênero] afirmaram ter sido vítimas de algum tipo de agressão verbal em 2024.
O dado é da Pesquisa Nacional sobre o Bullying no Ambiente Educacional Brasileiro, apresentada nesta quarta-feira (16), na sede do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília.
O levantamento foi realizado pela organização da sociedade civil Aliança Nacional LGBTI+ em parceria com o Instituto Unibanco e com o apoio técnico do Plano CDE, a Aliança, ao longo de 2024.
O diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, citou a definição de bullying homofóbico como intimidação sistemática por meio de violência física ou simbólica, com atos de humilhação ou discriminação e apontou que tem muito bullying nas escolas.
“O bullying no nosso país é estrutural e a gente vai ter que se reestruturar quando se trata dos outros. Nós precisamos trabalhar isso com uma política pública estrutural, não algo de doutrinação, mas algo de convivência harmoniosa e democrática.”
Ativista LGBTI+ há mais de 40 anos, Tony Reis defendeu uma relação saudável, de respeito e com empatia entre crianças, adolescentes e professores.
“Nós estamos dando elementos e evidências para serem trabalhados nas escolas. Vamos ter uma escola protegida, uma escola democrática, uma escola em que todo mundo possa conviver harmonicamente”, declarou Toni Reis.
Pesquisa nacional
O questionário da pesquisa foi respondido por 1.349 estudantes da educação básica (acima de 16 anos) do ensino regular e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) entre agosto de 2024 e janeiro de 2025. O relatório considerou exclusivamente as respostas dos 1.170 participantes que se identificam como LGBTI+, com diversas identidades de gênero e orientações sexuais.
Participaram matriculados em escolas públicas e privadas de todas as 27 unidades da federação.
A coordenadora de projetos da Coordenação Geral de Políticas Educacionais em Direitos Humanos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), Maraisa Bezerra Lessa, admite que faltava pesquisa baseada em evidências e dados mais atualizada sobre este tema. “Experiências e vivências que a gente ouve vários relatos no cotidiano da Secadi e que faltavam trazer para esse debate.”
Insegurança e violências
De acordo com os dados sobre as formas de violência, 86% dos estudantes entrevistados se sentem inseguros na escola por alguma característica pessoal, como a própria aparência. Entre pessoas trans/travestis, esse número sobe para 93%.
O levantamento revelou, por exemplo, que a escola é um ambiente pouco ou nada seguro para estudantes trans (67%); para meninos que não se encaixam nos padrões de masculinidade (59%); estudantes gays, lésbicas, bissexuais ou assexuais (49%); meninas que não se encaixam nos padrões de feminilidade (40%); além de pessoas que tenham o corpo considero como “fora do padrão” (40%).
Além da violência verbal, 34% dos entrevistados foram vítimas de violência física, em 2024, nas instituições de ensino ao longo de 2024, sendo que expressão de gênero (20%), orientação sexual (20%) e aparência (19%) foram fatores mais mencionados como supostos gatilhos para a violência sofrida.
O percentual de violência física contra LGBTI+ aumenta para 38% quando se trata de estudantes trans/travestis e de pessoas negras. Sete pontos percentuais a mais em relação aos seus pares cisgênero (cis) (31%), pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo biológico que lhes foi atribuído ao nascer.
Quando se trata de assédio sexual no ambiente educacional, 4% dos estudantes LGBTI+ já sofreram este tipo de violência, sendo que 5% sofreram de forma recorrente.
Agressores
As vítimas de comentários ofensivos, bullying ou LGBTIfobia apontaram que as agressões são praticadas, em sua maior parte, por estudantes (97%). Como os alunos LGBTI+ podem ter sido agredidos mais de uma vez e por mais uma pessoa, eles ainda reconheceram que 34% dos agressores são docentes e educadores; 16% são membros da gestão ou da diretoria da escola; e outros 10% são outros profissionais da unidade de ensino.
A integrante da organização não-governamental Mães pela Diversidade no Distrito Federal, Elis Gonçalves, conhece de perto essa realidade praticada por quem deveria educar. Ela é mãe de um menino trans de 13 anos identificado pelo nome social Ayo, que significa alegria, na língua africana iorubá. “Quando o profissional escolhe chamar o meu filho pelo nome morto, sabendo o nome social, ele está expondo o meu filho para a sala, para a escola inteira”, relatou a mãe.
“Quando o professor ou o diretor é o agressor da sua criança é pior. Porque é alguém em uma relação de poder, intimidando e expulsando seu filho todos os dias daquele ambiente. E por este profissional ser considerado um exemplo, ele está dizendo para os outros: está liberado o bullying, está liberado o desrespeito, porque eu sou o primeiro [a fazê-lo]”, constata Elis.
Apoio
Os estudantes LGBTI+ responderam que, após sofrerem as agressões nas dependências da instituição de ensino, 31% procuraram a escola, porém, destes 69% relatam que nenhuma providência foi tomada pela instituição.
Entre aqueles que relataram alguma ação por parte da instituição de ensino, 86% avaliaram as medidas como pouco ou nada eficazes.
Outros 39% dos estudantes que já sofreram bullying alegaram nunca terem conversado com alguém sobre a situação ocorrida; 44% buscaram conversar com amigos(as), enquanto (10%) uma parcela pequena buscou familiares.
Saúde mental
Diante do cenário percebido pela pesquisa de escolas como lugares hostis, os dados sugerem que esses estudantes enfrentam um quadro negativo de saúde mental: 94% dos entrevistados LGBTI+ se sentiram deprimidos no mês anterior ao levantamento. Dos estudantes impactados, 88% afirmaram ter vivenciado esse sentimento duas vezes ou mais no período. O que agravaria o sofrimento das pessoas LGBTI+.
Os estudantes trans apresentam indicadores de saúde mental piores do que seus pares cis, em quase todos os aspectos avaliados.
Os responsáveis pela pesquisa sugerem que as escolas promovam espaços de diálogo e sensibilização, como palestras e rodas de conversa, para os problemas encontrados.
Outra proposta é o fortalecimento de vínculos do estudante com a escola com o objetivo de garantir e promover ambientes mais seguros e acolhedores para reduzir impactos do isolamento e da falta de redes de apoio aos estudantes.
Evasão escolar
A pesquisa sobre bullying apresenta dados que indicam riscos elevados de evasão escolar dos estudantes LGBTI+ em razão da insegurança no ambiente educacional. “Os riscos se mostram altos para a comunidade LGBTI+ e particularmente, elevados para estudantes que se identificam como transgênero”, resume a nota sobre a pesquisa.
- 47% dos(as) estudantes LGBTI+ faltaram pelo menos um dia à instituição de ensino, no mês anterior à pesquisa, por se sentirem inseguros na escola ou no caminho até a instituição
- Entre estudantes trans, 57% perderam pelo menos um dia letivo no mês anterior à pesquisa, 15% mais em relação aos seus pares cis (42%);
- Pessoas trans também relataram ter perdido mais dias letivos: 18% dos jovens trans perderam seis dias ou mais; essa proporção cai para 12% entre estudantes cis.
Durante o lançamento da pesquisa nacional, a professora Jaqueline Gomes de Jesus, a primeira transexual a entrar para o doutorado na Universidade de Brasília (UnB), contou que se deparou com uma realidade similar desde muito nova, em escolas da Ceilândia e de Taguatinga, no Distrito Federal.
“Não foram meus professores que me salvaram. Não foi a escola, porque eu não existia na escola. Eu sofri bullying, discriminação, perseguição, assédio de cunho sexual todos os dias. E professoras, coordenadoras, diretoras, as freiras não faziam nada, porque era uma criança transviada e diziam: ‘não quero me meter nisso’.
Políticas públicas
Para mudar essas realidades e enfrentar os desafios no combate à discriminação sofrida pelos estudantes LGBTI+ das redes de ensino brasileiras, a coordenadora do MEC, Maraisa Bezerra Lessa, explicou que as políticas públicas adotadas pelo MEC estão baseadas na Constituição Federal de 1988; nas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC); nos princípios do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, além do parecer do Conselho Nacional de Educação, que obriga a adoção do nome social dos estudantes.
Segundo Maraisa, os objetivos são promover a democracia, cidadania, justiça social e respeito às diversidades nos sistemas de ensino.
A coordenadora detalhou que as ações do governo federal estão focadas na formação de pessoas para ter capacidade de entender quais são seus direitos e, ainda, na formação continuada de educação em direitos humanos dos profissionais da educação.
“A gente parte do pressuposto que a educação é um direito fundamental e que possibilita o acesso a todos os demais direitos. A educação de direitos humanos, no momento em que ela tenta contribuir para conscientizar sobre esses direitos, possibilita aos educandos e às educandas que tenham condições de luta para isso.”
Sugestões
A Pesquisa Nacional sobre o Bullying no Ambiente Educacional Brasileiro 2024 propõe a criação de políticas públicas que incluam no currículo escolar os temas: formas de violência, respeito, convivência democrática, conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.668 [que determina que as instituições de ensino combatam o bullying homofóbico em suas unidades]; a Lei 13.185/2015, de combate ao bullying, e a Lei 14.811/2024, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais.
Outras sugestões do levantamento nacional são:
- a proteção ao educador que tratam da temática;
- medidas legais para garantir segurança de estudantes que sofrem violência na família;
- sensibilização e capacitação da rede de proteção de crianças e adolescentes.
O secretário-executivo do Conselho Nacional de Educação (CNE), Christy Ganzert Pato, defende que os desafios a serem enfrentados na educação brasileira são mais amplos e vão além da reformulação da educação básica e dos investimentos na formação dos docentes brasileiros.
“A mudança estrutural não é só da escola, não é só na formação [de professores], a mudança deve ser da estrutura da sociedade. Isso envolve um esforço muito além de só pensar na atuação do gestor, em leis de punição, leis de educação, leis de formação. Este é um processo muito mais de conhecimento nacional. Como é que você muda o espírito de nação?”, questionou o secretário-executivo do CNE.
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Bienal do Livro do Rio começa no dia 13 com proposta imersiva

Em 2025, quando o Rio de Janeiro recebe o título de Capital Mundial do Livro pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Bienal do Livro espera receber mais de 600 mil pessoas entre os dias 13 e 22 de junho, no Riocentro, na Zona Oeste da cidade.
A venda de ingressos começou dois meses antes do festival, e os interessados podem adquirir as entradas pelo site www.bienaldolivro.com.br. Os ingressos custam R$ 42 (inteira) e R$ 21 (meia). Professores e bibliotecários têm acesso gratuito/desconto, com a apresentação da carteira profissional.
Na edição deste ano, além dos debates e encontros com autores, o evento aposta em uma experiência mais imersiva, chamada pelos organizadores de Book Park – um parque de diversões literário. Para as crianças, por exemplo, a Bienal promete surpreender com a Biblioteca Fantástica, criada para explorar o livro a partir de outras formas, tecnologias e arquiteturas, em um lugar sem paredes e lúdico. O espaço terá 500m² onde “livros viram túneis, páginas voam, personagens interagem, histórias se tornam labirintos e a leitura passa a ser uma aventura física, tangível e divertida”, divulga a feira literária. .
Outra atração é a Praça Além da Página Shell, um espaço para as comunidades leitoras se encontrarem com autores e assistirem a atrações musicais, saraus, apresentações, gincana. Um dos pontos altos dessa programação deve ser no dia 16 de junho, aniversário do escritor Ariano Suassuna, quando haverá um cortejo da Orquestra Armorial, com uma aula-show do João Suassuna, neto do homenageado.
Ainda no conceito de parque de diversões, o evento vai oferecer a Roda Gigante Leitura nas Alturas Light, com cabines personalizadas com personagens e áudios relacionados a livros infantis e infantojuvenis. Outros “brinquedos” desse parque serão o Labirinto de Histórias Paper Excellence e o espaço Escape Bienal Estácio, que traz enigmas e desafios inspirados em thrillers de sucesso, como os de Agatha Christie.
Um dos principais espaços para ver mais de perto os autores de destaque no mercado literário é o Palco Apoteose Shell, que receberá 40 painéis e mais de 70 horas de conteúdo, conectando o público a debates e reflexões sobre o universo literário. A programação tem curadoria da escritora Thalita Rebouças, da romancista Clara Alves, da cineasta Rosane Svartman e da produtora Clélia Bessa.
Dentre as presenças internacionais confirmadas, estão Brynne Weaver, canadense que está redefinindo os limites do romance contemporâneo, as norte-americanas de romances young adults Alexene Farol Follmuth e Lynn Painter, a britânica prestigiada por seus romances policiais Cara Hunter, e o escritor norte-americano mestre dos enigmas G.T Karber.
Já entre os autores nacionais, sobem ao palco Itamar Vieira Junior com sua obra ‘Torto Arado’ adaptada para diferentes linguagens, a psicanalista e professora Ana Suy, autora do fenômeno editorial ‘A gente mira no amor e acerta na solidão’, e a best seller Carina Rissi, autora da série de livros ‘Perdida’. Outra novidade é a presença de Raphael Montes, autor de ‘Jantar Secreto’, e o best seller Vitor Martins, com obras direcionadas ao público jovem e reconhecidas pela representatividade LGBTQIA+.
Continua na programação deste ano o Café Literário Pólen, espaço intimista que completa 25 anos e terá 31 painéis e mais de 60 horas de conteúdo. Entre os confirmados, estão o escritor e professor Jeferson Tenório, a roteirista, romancista e cronista Tati Bernardi, a escritora paulista revelação da literatura contemporânea Aline Bei, a atriz e poetisa Elisa Lucinda, o youtuber Chavoso da USP, a premiada jornalista Eliana Alves Cruz, além do escritor Alberto Mussa e de Itamar Vieira Junior.
Neste ano, os curadores da programação do café são o ator Lázaro Ramos, a roteirista Bianca Ramoneda, a jornalista Flávia Oliveira, o escritor e influenciador Pedro Pacifico, além do professor Luiz Antônio Simas.
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Prazo de inscrição no Enem é prorrogado para o dia 13 de junho

O Ministério da Educação anunciou neste sábado (7) a prorrogação das inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2025. Inicialmente programadas para encerrar na sexta-feira, dia 6 de junho, as inscrições agora podem ser feitas até o dia 13 de junho.
Com isso, o pagamento da taxa de inscrição pode ser feito até o dia 18 de junho. Já os pedidos de tratamento por nome social e solicitações de atendimento especializado devem ser feitos até o dia 13 de junho, mesma data em que se encerram as inscrições.
Em sua rede social, o Inep publicou um vídeo com o tutorial de como fazer a inscrição.
Os participantes que tiveram os pedidos de isenção da taxa de inscrição e as justificativas de ausência em 2024 aprovados pelo Inep precisam se inscrever no exame.
Os estudantes do 3º ano do ensino médio em escola pública, mesmo com a inscrição pré-preenchida automaticamente, precisam atualizar os dados solicitados e confirmar a inscrição para garantir a participação nesta edição. Esses candidatos não pagarão a taxa de inscrição. A medida pretende estimular a participação desse público no Enem e facilitar o processo de inscrição.
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Cieps completam 40 anos como projeto de referência para educação

Edifícios retangulares de concreto, com amplos pátios e janelas com as bordas arredondadas. Parte da paisagem do Rio de Janeiro, os Centros Integrados de Ensino Público (Cieps), apelidados de Brizolões, chegam aos 40 anos em 2025 como um projeto considerado revolucionário para a educação brasileira, principalmente por introduzir no debate nacional um modelo que até então ainda era desconhecido: as escolas em tempo integral.
Ao longo dos anos e de diversos governos, os mais de 500 Cieps passaram por mudanças. Hoje, inclusive, nem todas oferecem educação em tempo integral. Mas o modelo de ensino criado na década de 1980 segue sendo inspiração para a educação básica de todo o país.
As escolas recebem assinaturas de peso. O funcionamento e a parte pedagógica foram idealizados pelo antropólogo e ex-ministro da Educação Darcy Ribeiro, que ocupava, então, o cargo de secretário extraordinário de Ciência e Cultura do Rio de Janeiro no governo de Leonel Brizola. Os prédios, considerados monumentais para uma escola, foram projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
O novo modelo foi oficialmente anunciado no dia 1º de setembro de 1984. Meses depois, no dia 8 de maio de 1985, foi inaugurado o Ciep 1 – Presidente Tancredo Neves, localizado no Catete, na Zona Sul da cidade, que teve até mesmo a presença do então presidente da República, José Sarney, que assumira o governo dias antes, 21 de abril, após a morte de Tancredo Neves, o homenageado na nova escola.
As escolas ofereciam educação integral, das 8h às 17h, aos estudantes, com refeições, além de atendimento médico e odontológico às crianças. O espaço da escola era aberto aos finais de semana e nas férias para uso da comunidade. Além disso, contava com residência temporária para estudantes em situação de vulnerabilidade.
Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Lia Faria trabalhou com Darcy Ribeiro e afirma que o projeto colocava o direito à escola pública de qualidade como uma questão central.
“A grande marca do projeto do Darcy, do Brizola, do Oscar Niemeyer, é que ele coloca no centro de construção da sociedade, o direito à educação, à escola pública, e não qualquer escola, mas um prédio de respeito, bonito, com todas as condições de funcionamento para que as crianças se sentissem felizes dentro daquele prédio”, conta.
Professora da Uerj Lia Faria Lia Faria/Arquivo Pessoal
Faria ressalta que, nessa época, o Brasil vivia o processo de redemocratização, após a ditadura militar. Nesse contexto, os Cieps propunham a democratização do ensino público de qualidade, que deveria chegar a todas as crianças e adolescentes, mesmo aqueles em situação de vulnerabilidade. Com os Cieps ─ que se baseiam na Escola Parque, de Anísio Teixeira, concebidas na década de 1950, em Salvador ─, a discussão sobre educação integral ganha força.
“A educação integral é colocada hoje como prioridade. Essa discussão não existia antes dos Cieps”, diz a professora.
O modelo no qual o estudante passa mais tempo na escola e tem acesso a atividades culturais, esportivas, entre outras, é atualmente programa nacional. O Programa Escola em Tempo Integral tem como meta alcançar, até 2026, cerca de 3,2 milhões de matrículas na modalidade.
A educação em tempo integral é lei. Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil tem como meta, até o final deste ano, ter 50% das escolas com pelo menos 25% dos alunos em tempo integral. Em 2023, esse percentual era 30,5%.
Segundo Faria, os Cieps são um lembrete constante da importância de se atingir esse objetivo. “Isso ficou, permaneceu com uma monumentalidade. No estado do Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro, os Cieps estão lá, lembrando hoje, no presente, daquela proposta. Quer dizer, o projeto não morreu, o projeto não desapareceu. Ele está aí na memória, e ele está nas lutas do professorado hoje, colocando a educação integral como prioridade”, diz.
Alunos em sala de aula no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 001, no Catete, na zona sul da capital fluminense Tomaz Silva/Agência Brasil
Mudanças ao longo do tempo
Ao todo, entre dois mandatos, de 1983 a 1987 e de1991 a 1994, o governo de Brizola entregou ao estado do Rio de Janeiro 506 Cieps. O empreendimento, que exigia recursos, contratação e formação de profissionais e de professores, foi muito criticado e acabou sendo modificado ao longo dos anos. Atribuições de saúde ou assistência social concentradas nos Cieps passaram para as outras pastas nos governos seguintes.
Hoje, essas escolas estão distribuídas entre gestões municipais (apenas o município do Rio é responsável por 101 Cieps, estadual e federal. O funcionamento também mudou, e o ensino integral não é mais a realidade de todas as unidades. Alguns Cieps tornaram-se Escolas de Novas Tecnologias e Oportunidades (E-Tecs), outros, escolas interculturais. Há ainda, escolas cívico-militares, que possuem parceira com a Polícia Militar ou com o Corpo de Bombeiros.
“Os Cieps não são apenas prédios icônicos. Tiveram a maior proposta pedagógica do Brasil na década dos de 90. E a proposta em si retratava a educação integral”, diz a Secretária de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Roberta Barreto.
Professora de formação, ela mesma foi diretora de um Ciep. Segundo a secretária, o estado tem priorizado os Cieps para a oferta do ensino integral, por conta da estrutura dessas escolas, que contam com quadras de esporte, vestiários, laboratórios, entre outros espaços.
Apesar de reconhecer a importância, ela diz que há um desafio para a oferta de ensino integral, sobretudo no ensino médio. “Mesmo que a escola ofereça um cardápio diferenciado, gostoso, atrativo, nós não conseguimos construir a consciência coletiva entre a população de que a educação integral ela é necessária. Então, o índice de evasão na educação integral ainda é muito grande”, diz. O índice de evasão, nessa modalidade, segundo a secretária é de cerca de 10%.
No município do Rio também há uma busca por manter os preceitos do Ciep e até mesmo para levá-los às demais escolas da rede. Assim como no estado, nem todos têm o ensino integral. A maior parte dos Cieps é de turno único, 89 dos 101, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação.
Ainda assim, não deixam de ser referência e inspirar novos projetos como os Ginásios Educacionais Tecnológicos (GETs), de acordo com o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha.
Os GETs são escolas voltadas para a inovação tecnológica e pedagógica, por meio de atividades práticas. “Os Cieps são uma referência para a educação no Rio e no Brasil. Uma ideia de ensino e formação de excelência que até hoje inspira professores, gestores e políticas públicas. Eles abriram horizontes e ampliaram os padrões de exigência. Atualmente, os GETs da nossa rede carioca são os CIEPs do século 21, uma nova etapa, uma continuação de um sonho de ensino integral de qualidade”, diz.
Uma escola de todos
O projeto original do Ciep previa que a escola pudesse ser integrada à comunidade e pudesse ser um espaço frequentado por moradores da região e pelas famílias dos alunos. O Ciep 449 – Governador Leonel de Moura Brizola, em Niterói, busca manter essa integração e, todos os finais de semana, abre o pátio da escola.
“A gente não vai gradear, porque não é o objetivo da escola e é um dos objetivos do Ciep, de 40 anos atrás: servir a comunidade. Aqui tem festa de casamento, aqui tem batizado, tem festa de 15 anos, tem baile funk – não aqui dentro, o baile funk é lá fora, mas eles usam o espaço”, diz o diretor da escola, Cícero Tauil.
Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 449 Governador Leonel Moura Brizola – Intercultural Brasil-França. Tânia Rêgo/Agência Brasil
A escola, que pertence à rede estadual, têm 280 alunos do ensino médio, matriculados em tempo integral. O Ciep 449 é uma das escolas interculturais, ou seja, que possuem parceria com outros países. Nesse caso, a nação parceira é a França. Os alunos aprendem a língua, conhecem a cultura da França e têm até mesmo oportunidades de intercâmbios com o país. Na instituição, foi filmado o documentário Salut, Mes Ami.e.s!.
Além de ser um espaço da comunidade, Tauil faz questão de que os próprios alunos se sintam responsáveis pela escola e cuidem das salas, cadeiras, corredores e banheiros que usam todos os dias. “Eles cuidam. A escola é nossa. Eles ficam aqui o tempo todo, então, é como se fosse extensão da casa deles”, diz o diretor.
O resultado é uma coleção de premiações e reconhecimento. Troféus dos Jogos Escolares de Niterói e fotografias mostrando premiações da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), a moção de aplauso da Câmara de Vereadores de Niterói e a viagem feita por estudantes e professores à França enfeitam os corredores da escola.
Lara Shupingahua, 18 anos, no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 449 Governador Leonel Moura Brizola – Intercultural Brasil-França.Tânia Rêgo/Agência Brasil
Bernardo Marinho e Lara Shupingahua, são dois dos estudantes do Ciep 449. Ambos têm 18 anos e estão no 3º ano do ensino médio. Eles contam que têm muitas oportunidades na escola, desde participar do programa Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica no Ensino Médio na Universidade Federal Fluminense (UFF), no qual desenvolvem um projeto científico com professores universitários, até receber em casa estudantes franceses para intercâmbio cultural. Bernardo foi, inclusive, um dos estudantes selecionados para ir à França.
“No início, foi muito puxado, eu nunca tinha estudado numa escola intercultural, nem integral. Então, foi difícil no início. Porém, a gente vai se adaptando a acordar mais cedo, a ficar o dia todo na escola. Eu nem esperava essas oportunidades todas que eu tive”, diz Bernardo, que pretende cursar relações internacionais quando concluir os estudos.
Por conta da escola integral, Lara pôde praticar esportes, conheceu o rugby e se apaixonou. Chegou a jogar representando o estado do Rio de Janeiro. “Começou aqui, mas, com certeza, eu vou levar o rugby para minha vida inteira, porque os pilares do esporte, a gente não leva só para dentro de campo. É um esporte que prega respeito, disciplina, paixão. São coisas que a gente leva para a vida”, diz Lara, que pretende integrar o Corpo de Bombeiros.
O primeiro Ciep
O Ciep 1 hoje faz parte da rede municipal do Rio de Janeiro e atende cerca de 320 estudantes de pré-escola e do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, além de 90 estudantes do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Entre os professores do Ciep mais antigo, está também uma das que acompanhou o projeto desde o início, a professora de educação infantil Rosana Candreva da Silva, na escola há 38 anos.
“Aqui tinham muitas vagas na época, e eu acabei vindo para cá. Eu fiquei encantada. O Ciep foi um divisor de águas, um marco na educação”, diz a professora, que conta que ficou admirada com as salas, que eram enormes se comparadas às demais escolas, e com uma estrutura que funcionava. “Era uma coisa notável, formidável. Isso foi um dos motivos que me atraiu, e o motivo também pelo qual estou até hoje aqui”.
A professora de educação infantil no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 001, Rosana Candreva da Silva Tomaz Silva/Agência Brasil
Rosana presenciou o que Lia Faria ressaltou, como os Cieps serviram à população mais carente. “A gente percebia que eram muitas crianças que estavam à margem dessa oportunidade da educação. Foi bem difícil no início essa questão da disciplina, tanto que havia vários inspetores. Mas eu via como uma coisa muito positiva, uma grande oportunidade. Eles gostavam, eles vinham, eles faziam questão de vir para escola, porque era um espaço muito atrativo para eles”, diz.
Segundo ela, a escola segue buscando também esse papel social. “A educação é tudo, né? É a base de todo o processo de vida social, de progresso individual também. Eu acho que o investimento tem que ser constante e cada vez maior no setor da educação”, defende.
Branca Trajano, 10 anos, é estudante do 5º ano da escola e é uma das integrantes do grêmio. “Eu tinha 5 aninhos quando vim pra cá. Eu gosto muito dessa escola. As aulas são boas, são divertidas, e têm as companhias. Companhia, para mim, é tudo. Se minhas amigas não vêm, eu fico até com vontade de chorar”, brinca.
A estudante do quinto ano no Centro Integrado de Educação Pública CIEP 001, Branca Alexandra Araújo Trajano Tomaz Silva/Agência Brasil
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